segunda-feira, 16 de maio de 2011

Avenida Dr Lourenço Peixinho

Impulsionado por factores como as políticas da Regeneração[1] e depois a fontista[2]; pela fixação da Barra e pela mentalidade de industrialização progressiva da sociedade local, Aveiro, cresceu, entre 1864 e 1918 e desenvolveu-se urbana e economicamente em torno do negócio do sal, do peixe, do moliço, do junco, da indústria cerâmica e da exploração de areias dos subsolos. Cidade de canais, pontuada por alvíssimos montes de sal e velas brancas; na ria e nos canais proliferava a actividade piscatória. Nas margens dos canais, nas marinhas, recolhia-se o sal de dois em dois dias. Eram muitos, os operários, que se dedicavam ao trabalho salícola, entre marnotos, moços, salineiras e barqueiros e todas as classes sociais demonstravam interesse na exploração directa ou indirecta do sal. As marinhas proliferavam no salgado aveirense e os armazéns de sal, também, nas zonas do Canal de S. Roque, Canal da Fonte Nova, Cais dos Botirões e Mercantéis. No Canal do Côjo, com destino à Estação, descarregava-se e fazia-se o transbordo para os carros de bois do sal, do pescado, da louça, das cerâmicas diversas, dos vidros, dos cereais, das areias, da pedra, do moliço, do junco, entre outros bens. A permuta de mercadorias entre o canal e a via-férrea implicava sempre dois transbordos. Da estação exportava-se também ovos, doces, aves, peixe, gado, cereais, legumes, hortaliças e algumas manufacturas.

Aveiro compunha-se também de campos de cereal e vinhas. Os solos arenosos e argilosos eram alimentados por fertilizantes como a morraça (moliço) e o escaço[3], que supriam, desde tempos remotos, a incapacidade produtiva dos mesmos. Raras eram também as casas em que não havia quintal com poço, horta e pomares. Era fácil comprar hortícolas e frutas, a qualquer hora do dia, nas quintas que havia, em torno e no centro da Cidade. Havia quintas como a de Sebastião Magalhães Lima (pai); a do Seixal (com capela), do Sr. Manuel José Mendes Leite; a do Carmo, dos herdeiros do Sr. José Maria Rangel de Mascarenhas; a de Arnellas, da viúva do Sr. José Leite Ribeiro e a da Fábrica, pertença do Sr. Visconde de Valle-de-Mouro.

As barcas sulcavam a ria e os esteiros da Fábrica e do Côjo carregadas de morraça, mas as queixas em Cortes continuavam a referir a necessidade de importação de cereal. A área de produção de cereal cingia-se à área circundante do núcleo urbano, com excepção do litoral, área totalmente convertida à salicultura. No entanto, o cereal revelava dificuldade em vingar nestes terrenos, constituídos por aluviões e areias, materiais arrastados, uns pelo Rio Vouga, outros pela ondulação do mar.






A cidade tinha praça ou mercado diário, num abarracamento, sito na Praça da Erva, entre as pontes da Praça e do Côjo que transitou depois para o Mercado Manuel Firmino, construído no local, onde hoje, se situam edifícios como, o dos Antigos Armazéns de Aveiro. O mercado estendia-se até ao local, onde actualmente se encontra o edifício da ACA – Associação Comercial de Aveiro, inclusive.  


O Ilhote era palco de actividades diversas, desde as desportivas[4], ao treino militar e à feira mensal, aí instalada desde 1903; mais tarde, e após o aterro, instalou-se nele o Mercado Manuel Firmino. A casa do moinho de maré, cujas moagens de rodízio, remontam ao início do século XV – 1406, foi determinante na morfologia do lugar.

Antes da abertura da Avenida do Côjo (actual Avenida Dr. Lourenço Peixinho), a cidade encontrava-se dividida em dois núcleos: a norte do canal os cagaréus ligados às actividades da ria, a sul os ceboleiros, população ligada às actividades agrícolas e às unidades fabris da zona do Côjo. A divisão era efectuada pelo Ilhote do Côjo, um local alagadiço que resultou da ramificação da ria em dois braços, perto da casa do moinho, os esteiros da Fábrica e o do Côjo. A palavra Côjo ou Coja significa zona inundável, alagadiça. O esteiro da Fábrica corresponde hoje ao actual Canal do Côjo, enquanto o então esteiro do Côjo fazia o percurso da actual Rua Conselheiro Luís de Magalhães, Rua Agostinho Pinheiro e Travessa do Dispensário.

À época a ria perde alguma importância como meio de transporte, devido à quantidade de estradas que são construídas e que ofereciam ao viajante pitorescas paisagens: Aveiro-Barra (1855), Aveiro-Águeda (1862), Aveiro-Oliveirinha (1863), Aveiro-Mogofores (1864), Aveiro-Ilhavo (1867), entre outras, e ao caminho-de-ferro que surge em 1864, abrindo a cidade ao progresso.

            O telégrafo eléctrico e o serviço postal instalado na cidade, desde 1856, por sua vez, aproximou as populações e fez circular com rapidez as informações e as notícias entre os diferentes núcleos populacionais.

A cidade crescia, inclusive do ponto de vista demográfico e habitacional. Em 1864, em Aveiro, o número de habitantes era de 6.395 habitantes e o censo de 1878, refere-nos a existência de 7.167 almas e 1554 fogos, na cidade, situando-se 3.630 habitantes e 732 fogos na Freguesia da Vera-Cruz. O bairro de Sá era habitado quase exclusivamente, por lavradores e proprietários, o da Villa-Nova, por pessoas de diversas classes sociais e o da Beira-Mar pela classe piscatória e de marnotos.

A municipalidade sob a presidência do sr. Manuel Firmino procedia à arborização da cidade.







As principais artérias da cidade, praças e largos eram, à época, a Rua da Estação; a de S. Paulo ou Vera-Cruz, depois designadas de Gravito e Manuel Firmino; o Largo da Apresentação; a Rua José Estêvão; a Rua dos Mercadores; a Rua do Americano[5]; o Largo do Côjo; o da Vera-Cruz e o da Fonte-Nova. Quanto aos Passeios Públicos, para além daquele que existia no antigo campo de Santo António, no Jardim Público, ainda servia de Passeio o Largo do Côjo, o Cais e as estradas atrás mencionadas.

Terra, essencialmente, de marnotos, pescadores, barqueiros, moliceiros, vendedeiras de peixe a retalho, operários fabris, oleiros e mercadores, a população tinha por alimentação base, a sopa forte de legumes (feijão, nabo, couve, batata), um ou dois pratos e carne branca (toucinho), de porco, com uma batata. Vinho não havia, porque não havia dinheiro, era só nas festas, assim como, o frango e a carne de vaca. Outros comiam mesmo só a sopa forte de legumes, com um bocado de orelheira, costela de porco ou chouriça dentro. Os que tinham possibilidades bebiam uma garrafinha de ½ litro de vinho. Na véspera de Natal, comiam o peixe dos pobres: o bacalhau, com batatas e brócolos. No dia de Natal, isso sim, era o dia do cozido à portuguesa, comia-se carnes diversas, da salgadeira: um bocado de carne de vaca, de costela, de orelheira, de tornozelo ou mão de porco, um bocadinho de chouriça e uma couve. Enfim comiam o que podiam em função do dinheiro que tinham para comer, tradição que se manteve ainda até aos nossos dias, no bairro da Beira-Mar. Na alimentação entrava ainda os cabozes, a sardinha amarela, a raia de pitau, a caldeirada de enguias, as enguias em molho de escabeche, as galeotas e os ovos-moles. Ao almoço (pequeno almoço) é que era sempre um naco de broa com azeitonas, ou então, apenas um copo de café. Quanto ao jantar (almoço), era quase sempre uma sopa de legumes, com um naco de carne de porco, gorda dentro dela. Á noite era o escoado. Em suma fazia-se uma alimentação à base de peixe, quer da Ria, quer do mar.

Aveiro nos finais do século XIX, em termos de infra-estruturas, dispunha de dois armazéns de exportação de fruta; oito armazéns de venda de peixe; duas relojoarias; seis serralharias; onze fornos de cozer pão de milho; seis padarias; quatro ourivesarias; duas chapelarias; três confeitarias; 3 oficinas de pirotecnia; quarenta lojas de mercearia; quatro lojas de modas; dezoito tendas; duas lojas de encadernadores de livros; quatro lojas de panos; quarenta e cinco tavernas; dois armazéns de vinhos; três estancias de madeira; entre outros estabelecimentos.
A cidade oitocentista dispunha ainda de 4 advogados; 4 médicos; 20 oficiais de sapateiro (3 por loja); 19 alfaiates (5 por loja); 4 marceneiros (por loja); 69 carpinteiros; 11 pintores; 4 modistas; 5 calafates; 3 tamanqueiros; 3 cordoeiros; 3 ferradores; 11 vendedores ambulantes; 18 negociantes de cereais; 10 capitães de navios; 15 donos de barcos menores; 6 latoeiros; 4 tanoeiros e 5 agentes de diversos negócios e indústrias.

Pela barra entravam e saíam, anualmente, cerca de 300 embarcações, exportava-se essencialmente, sal, frutas (especialmente laranja), madeira, minério e cerâmicas; por lá se importava também carvão de pedra, peixe, cereais e diversos produtos manufacturados. Mas o caminho-de-ferro foi inquestionavelmente o maior dos benefícios que Aveiro recebeu, pois permitiu-lhe deixar de estar na dependência da ria e do mar.



Fontes: Catalogo – Almanach da Imprensa Aveirense, Aveiro, 1884, pp. 19, 20, 22, 23, 25, 27, 28, 32 e 33; Testemunho de Felisberto Fortes, natural da Beira-Mar, 84 anos de idade; Dicionário Enciclopédico das Freguesias – 2º Vol., ed. Anafre; Arroteia, Jorge Carvalho, Aveiro: Aspectos Geográficos e do Desenvolvimento Urbano, Aveiro, 1999, p. 64; Calendário Histórico de Aveiro, de António Christo e João Gonçalves Gaspar, pp. 44 e 274; Arquivo, XXXII, p. 26; Marques Gomes, Subsídios para a História de Aveiro, Aveiro, 1899, p.163; Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro, 1950, p. 41 e 42; Arquivo Municipal de Aveiro, Livro das Actas das Sessões de 1901-1904, nº. 27, fl. 75; Gaspar, João Gonçalves, Aveiro na História, Aveiro, 1997, p.146.




[1] Período da vida portuguesa caracterizado pelo esforço de desenvolvimento económico e de modernização de Portugal, a que se associaram pesadas medidas fiscais. Iniciado em 1851 após a insurreição militar liderada pelo marechal duque de Saldanha contra o último ministério de Costa Cabral, vigorou até 1868. A principal personagem da Regeneração foi Fontes Pereira de Melo.
[2] A política fontista vigorou após a Regeneração, entre 1868 e 1889; era liderada por Fontes Pereira de Melo e visava, essencialmente, a modernização dos meios de comunicação como, pontes, estradas, caminho-de-ferro e equipamentos diversos, como fontes e mercados.
[3] Mistura de moliço, pequeno peixe e crustáceos (caranguejos) secos.
[4] Nele estava implantado, o velódromo do Clube de Galitos, desde 31 de Julho de 1904, onde se efectuavam provas velocipédicas organizadas pelo respectivo Clube.
[5] Actual Rua Comandante Rocha e Cunha.

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